Por Ives Gandra da Silva Martins
Há movimentação em Brasília para
que haja alteração do "quorum" para decisões do CONFAZ (reunião de
todos os secretários de Estado da Fazenda) na concessão de incentivos,
objetivando facilitar sua adoção por Estados que os têm concedido de
forma inconstitucional, afetando operações interestaduais. Isto ocorre
porque o desenvolvimento de um Estado mediante a concessão de estímulos
na área do ICMS realiza-se à custa de outro Estado, pois os produtos lá
produzidos ficam, de rigor, mais caros, por força desta
descompetitividade tributária.
Em outras palavras, sempre que um
Estado concede incentivos fiscais ou financeiros, dispensando o
recolhimento do tributo ou devolvendo-o após um pagamento meramente
escritural, gera, nas operações interestaduais, um crédito que terá que
ser suportado pelo Estado para onde o produto é remetido, que só poderá
cobrar o diferencial entre o valor do referido crédito e o valor do
débito ocorrido em seu território.
Desta forma, se a saída de uma
mercadoria dentro do Estado sofre tributação à alíquota de 18% e a
mesma mercadoria vinda de um Estado estimulador chega "sem tributo pago"
na origem, à alíquota de 7% ou 12%, conforme a região, este produto
terá uma carga tributária de 6% ou 11%, contra os 18% do produto
fabricado no Estado de destino.
Para evitar esta guerra
fratricida é que foi criado o Confaz e promulgada aLei Complementar nº
24/75, que permite ao Estado de destino, prejudicado em sua arrecadação e
competitividade, anular os créditos correspondentes às operações
interestaduais provenientes de Estados, que, independente de convênio,
concedem incentivos à revelia dos demais. Por decisão da Suprema Corte,
essa lei foi considerada recepcionada pelaConstituição de 1988.
É
de se lembrar que, objetivando fortalecer o combate à
"descompetitividade tributária", foi incluído, pela EC nº 45/05, um novo
artigo no Texto Constitucional(146-A), ainda dependendo de lei
complementar ou federal provisória para ganhar eficácia.
Ora, a
exigência de unanimidade na aprovação dos representantes do Confaz,
prevista naLC 24/75, para a regular concessão de incentivos - que sempre
foi matéria tranquila até 1988, por valorizar a deliberação dos Estados
e evitar que, sem o consentimento de todos eles, o órgão acabasse por
permitir incentivos que prejudicassem os Estados em desacordo com a sua
concessão - a partir de 1988, com a abdicação da União de fazer
políticas regionais, passou a ser desrespeitada. A grande maioria dos
Estados principiou a conceder estímulos no âmbito do ICMS sem
autorização na forma daLC 24/75. O resultado é que a Suprema Corte, em
junho do ano passado, acabou por julgar inconstitucionais as legislações
instituidoras desses incentivos, embora os efeitos dessa decisão ainda
não estejam definidos (anteriores, presentes ou futuros).
Não por
acaso essa "evolução" negativa teve origem em 1988. É que, segundo a
Carta da República, a União perdeu 14% percentuais de seus dois
principais impostos, repassados para Estados e Municípios (IPI e I.
Renda), em 47%. Até 1988, sua partilha com as outras unidades da
Federação era de apenas 33% do arrecadado. Entendeu, o governo federal,
que, desta forma, caberia aos Estados promoverem às suas custas seu
desenvolvimento, muito embora tenha a União, se auto-compensado desses
repasses, com o aumento do Finsocial (alíquota 0,5 sobre faturamento)
para 7,6% da Confins e de 0,65 do PIS para 1,65%, receitas estas que não
são transferíveis às demais entidades federativas.
A
exacerbação, portanto, da guerra fiscal à revelia do Confaz e com a
declaração de inconstitucionalidade do STF é que está provocando a
movimentação aludida, que, se aprovada (para excluir a exigência de
unanimidade no CONFAZ), iria, a meu ver, apenas agravar
consideravelmente o quadro da guerra fiscal, tornando-se um verdadeiro
pacto "desfederativo".
Mais do que isto, representaria
modificação doartigo 146-A, o qual foi criado exatamente para evitar
descompetitividade empresarial entre os Estados, via tributos. Se a
unanimidade deliberativa cair, ficarão os Estados, que não concedem
estímulos, sujeitos à pressão de toda espécie, por parte de
investidores, que passarão a promover verdadeiros leilões entre as
administrações estaduais, na escolha do local mais conveniente (ou seja,
do Estado que der maiores incentivos) para sua instalação.
Em
vez desta busca pela quebra da unanimidade no CONFAZ, dever-se-ia criar
uma Lei Complementar de incentivos fiscais e financeiros (art. 155 § 2º
inc. XII letra "g" da CF), à luz doartigo 146-A da Lei Suprema, para que
surgisse um sistema coerente de tal regulação. Sempre, todavia, com a
adoção da unanimidade, para que os incentivos dados por um Estado não
tivessem que ser suportados por outro, contrário a eles.
Outra
forma, seria adotar, nas operações interestaduais, o regime de semi
destino com uma alíquota única para o Estado de origem de 4%, matéria
que a nossa Comissão de especialistas, nomeada pelo Senado, está
estudando, sob a presidência do Ministro Nelson Jobim e relatoria do Dr.
Everardo Maciel.
O certo, todavia, é que a não preservação da
unanimidade deliberativa do CONFAZ será um complicador a mais a gerar
conflitos maiores entre as entidades regionais, na caça incontrolável de
investimentos, muitas vezes com desindustrialização nacional, em
benefício de produtos estrangeiros e desequilíbrio nas administrações
públicas, sujeitas a leilões por investidores para decidir se mantêm ou
não investimentos em determinada unidade federativa.
Que se
afaste o risco deste recrudescimento da guerra fiscal que viria,
certamente, com a quebra da unanimidade, em detrimento do País.
Ives
Gandra da Silva Martins, professor Emérito das Universidades Mackenzie,
UNIP, UNIFIEO, UNIFMU, do CIEE/O Estado de São Paulo, das Escolas de
Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME, Superior de Guerra - ESG e
da Magistratura do Tribunal Regional Federal-1ª Região. Professor
Honorário das Universidades Austral (Argentina), San Martin de Porres
(Peru) e Vasili Goldis (Romênia). Doutor Honoris Causa das Universidades
de Craiova (Romênia) e da PUC-Paraná, e Catedrático da Universidade do
Minho (Portugal).
Fonte: Fenacon
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